Carta à Alanis
Querida Alanis, hoje eu sonhei com você. Sim, você estava se apresentando no quintal da minha casa. Era um show pequeno, até porque, no meu quintal não cabe muita coisa além da minha moto, uma bicicleta sem rodas e a máquina de lavar. Não sei dizer se o show estava bom. Mas sei, com toda certeza, que você estava linda, ostentando esse rostinho de cavalo que tanto me encanta. Eu gosto de pessoas estranhas e reconhecê-la como uma delas é o mesmo que assumir que você me causa boas ereções.
Como eu disse, você estava linda. Linda demais. Eu gostava da maneira como você me olhava. A cada música, você lançava um olhar equino em minha direção. Eu gostava. Apesar de ser comprometido, eu gostava pra valer. Num dado momento, você chegou a fazer uma pequena declaração ao microfone e todas as seis ou sete pessoas que lotavam meu quintal olharam para mim com cara de “isso que ela disse foi pra você?”. Mas eu não me lembro do que você disse, assim como não me lembro de quase nenhuma de suas músicas. Pra ser sincero, eu nem gosto delas. Mas então, o pior aconteceu...
O palco desabou. Da cozinha, onde eu estava pegando cerveja, só escutei o barulho. Fui ver o que havia acontecido e encontrei você caída. Todas as seis ou sete pessoas que lotavam meu quintal estavam ao redor vendo seu corpo levemente ferido. Na verdade, era apenas um ralado no joelho e outro no cotovelo. Eu te peguei no colo, você olhou para mim e abriu um lindo sorriso com sua boquinha de cavalo. Eu me derreti! Levei você até meu quarto e cuidei dos seus ferimentos com um remédio que estava posicionado em cima da minha cama, como se esperasse pelo seu tombo. Você perguntou se ia arder e eu disse que não. Mas ardeu. Você pediu para eu assoprar e eu assoprei. Você soltou outro risinho de cavalo e permanecemos um bom tempo nos olhando, encantados um com o outro. Você estava linda.
Eu peguei minha gaita e toquei a única música sua que conheço, mas que também não sei o nome. Você gostou e perguntou se eu poderia acompanhá-la na sua próxima turnê. Disse que eu seria um bom músico de apoio. Eu recusei. Afinal, eu sou comprometido e sabia muito bem quais eram suas intenções com esse convite (safadinha!). Você pareceu triste, mas entendeu. Enfim, nós saímos do quarto e todas as seis ou sete pessoas que lotavam meu quintal aguardavam ansiosas o seu retorno.
Mas você teve que partir. Perguntei se voltaríamos a nos ver e você respondeu que sim. Em breve, você voltaria para me visitar. Mas dessa vez não faria show. Após o incidente, você decidira não se apresentar mais em lugares sem infraestrutura adequada. Eu compreendi. Trocamos mais alguns olhares, você tentou me beijar e eu me esquivei. Você estava linda. Então você se foi e eu continuei no meu quintal, acompanhado das outras seis ou sete pessoas e sem saber uma única música sua.
É isso.