Sempre vai ter alguém admirando o seu gramado
“O que é a tatuagem pra você?”, perguntou a gerente de um dos estúdios de tatuagem por onde passei, assim que pisei em São Paulo.
“Como assim?”, questionei. Sou daqueles que, diante um questionamento óbvio, sempre pensa que a pergunta é mais profunda do que parece.
“Quero saber o lugar que a tatuagem ocupa na sua vida. Qual a sua visão sobre o trabalho que faz”, explicou ela.
Sabia que a pergunta era mais profunda do que parecia ser. Refleti sobre a incrível oportunidade que meu trabalho me proporciona, de poder marcar a pele e a vida das pessoas, mas preferi responder que a tatuagem é basicamente o meu ganha pão.
“Você é do Rio?”
“Sou.”
“Por que decidiu vir pra São Paulo?”
“Porque to de saco cheio do Rio. To querendo respirar novos ares.”
“Mas por que São Paulo? O Rio é tão diferente daqui. Tão verde! Tão maravilhoso! Tão alto-astral! São Paulo é só poluição e caos!”
“Eu gosto de poluição e caos.”
Ela soltou uma gargalhada e disse que eu pareço ser uma pessoa bem tranquila.
“Assim como o Rio parece ser uma cidade maravilhosa e não é.”
“Veio sozinho?”
Fiz que sim com a cabeça.
“Não conhece ninguém aqui?”
“To conhecendo.”
“E o que te faz pensar que você vai conseguir se adaptar?”
“Não tenho nada a perder.”
“Faz sentido.”
Continuamos conversando sobre família, vida, trabalho, de forma que eu me senti num consultório de análise. Olhei para os pôsteres e a decoração do lugar para me convencer de que, de fato, havia entrado em um estúdio de tatuagem. No fim, ela pegou meu cartão, alegando me procurar para participar de um evento de tattoo que tava pra acontecer, me deu um abraço apertado e soltou: “Não deixa essa cidade contaminar você”.
“Contaminar?”
“É. Contaminar. Essa prisão de concreto enlouquece qualquer um!”
“Entendi”, respondi, sorrindo. “Acho difícil alguma coisa ser capaz de me contaminar!”
“Você que pensa”, sentenciou ela. “Cuidado!”
Suas palavras ecoaram na minha cabeça por um bom tempo, despertando em mim a velha máxima: a grama do vizinho é sempre mais verde.
Minha estadia em São Paulo provou que, de fato, nunca estamos satisfeitos com o que temos. Eu achava que fosse o único amargurado com seu lugar de origem, mas não. Quanto mais conheço gente, mais vejo que isso é um mal que assola quase todos. Sempre que me escutavam dizer que fui pra São Paulo pra tirar férias do Rio, a reação era unanime: “Cê tá louco de sair do Rio, meu! Cê tá louco!”; “Sampa não tem nada! Só trabalho e os rolê são tudo caro!”; “As praias do Rio são lindas, mano! O que cê veio fazer aqui?”; “Sampa só é bom pra trabalhar. De resto, é maior embaçado!”. Então, eu soltava: “Você fala isso, porque não mora lá”. Em resposta, escutava: “E você não mora aqui”. Então, eu me calava e consentia.
Realmente, nunca estamos satisfeitos. Não estamos satisfeitos com nosso trabalho, nosso salário, nosso relacionamento, nosso carro, nosso celular... Nunca estamos satisfeitos com a vida que temos. Eu sempre achei que a insatisfação fosse o primeiro passo pra mudança e que a mudança fosse o único caminho que nos levasse ao crescimento. Tenho mudado minha visão em relação a isso.
Até que ponto devemos dar ouvidos as aflições que nos perturbam? Será que tudo que nos incomoda precisa ser mudado ou exterminado da nossa vida? Talvez não. Talvez, aprender a conviver com determinadas inquietações seja uma boa forma de amadurecer e se manter preparado para as amarguras da vida. Como diria o pai do Calvin, da tirinha Calvin and Hobbes, “fortalece o caráter”. Afinal, assim é a vida: mesmo você achando a grama do vizinho um pouco mais verde, sempre vai ter alguém admirando o seu gramado.
É isso.